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terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Bonito por fora, vazio por dentro: o Pavilhão de Portugal é o símbolo do país.

O Pavilhão de Portugal é a imagem que melhor define o País contemporâneo: bonito por fora, vazio por dentro. O ex-libris arquitectónico da Expo 98 tornou-se, terminada a exposição, uma espécie de alma de fachada – impressionante, de um ponto de vista fotográfico, mas inexistente. Sem interior. Não se sabe para que serve; isto é, em princípio, uma obra daquela envergadura não pode servir só para banquetes e baptizados. Mas na realidade pode. A prova é que passaram dez anos sobre a Expo e o Pavilhão permanece por destinar, encarquilhando por falta de uso. Portugal é isto: construção e abandono. Projectos grandiosos atirados para o armazém do esquecimento. Vastos investimentos a fundo perdido. Os turistas chegam, fotografam a pala do Siza e vão-se embora. Um desperdício, Portugal sempre foi assim, um toca e foge de vaidades efémeras. Não se arranja uma ideia que dê sentido, força e carne àquele Pavilhão? Arranjava-se, se alguém estivesse interessado. Mas não se encontra sequer quem oiça. Somos grandes no sonho e pequeníssimos na realidade – e assim vivemos em crise há pelo menos quinhentos anos. Não acreditamos na energia das ideias, apenas na ostentação das empreitadas. Rentabilizar o que construimos nunca nos interessou; o ouro das colónias, delapidámo-lo em luxos. Só respeitamos o luxo – os bólides, os chauffers, as viagens e as mordomias. Temos prisões especiais para vedetas e banqueiros, mais confortáveis do que muitos hotéis. Espoliamos os remediados para pagar as falências fraudulentas dos ricos. Somos rápidos a julgar e condenar um ladrão de mercearia ou um vigarista de esquina e lentíssimos a julgar os ladrões do erário público e os violadores da inocência do país, respaldados por advogados especialistas em fazer durar os processos até ao paraíso da prescrição.Sugiro que se faça do Pavilhão de Portugal o Museu-Instalação da Iniciativa Portuguesa: branco sobre branco, paredes nuas – se possível com as fissuras bem iluminadas, uma sucessão de salas vazias simbolizando a Justiça, o investimento cultural, a capacidade distributiva da nossa Economia. Uma espécie de Museu do Silêncio, da Resignação e da Melancolia. Não custa nada, é só abrir as portas. Podia vender-se à entrada uma colecção de santinhos nacionais, do Santo António ao São Fernando Pessoa, esse que, como disse há dias Eduardo Lourenço, se tornou «uma espécie de moinho de rezar da cultura portuguesa». Não, é melhor que não se venda nada – seria contraditório com a filosofia sismológica deste Museu, destinado a arrasar não só as ideias-feitas como mesmo aquelas ainda por fazer. Há que rejeitar a cultura do fragmento e da desconstrução como quinquilharia arqueológica do fim do século XX e assumir, de uma vez por todas, o Imenso Vazio. Pode ser que esta ideia, tão económica nos seus meios quanto ambiciosa nos seus fins, faça o seu caminho. Tratando-se exactamente de uma não-ideia, talvez seja mais fácil. Porque qualquer ideia apontada para uma transformação existencial profunda do país, qualquer ideia que tenha por objectivo fazer de Portugal mais do que uma costa marítima bem equipada de praias e computadores, só causará perturbação. E a perturbação é o contrário do sismo cultural em que a pátria gosta de viver – de trepidação em trepidação, cantando e rindo até à amnésia final. O sismo cultural é a metáfora-em-espelho invertido do sismo autêntico, que provoca choro, ranger de dentes e morte.Portugal está cansado de ideias e de intelectuais, farto de fingir, como fez durante curtos períodos, que gosta deles. São demasiado imprevisíveis, e sobretudo demasiado críticos. Fazem pouco de tudo, nunca se satisfazem com nada. Querem que os Governos gastem rios de dinheiro a proteger livros e papéis e símbolos patrimoniais, sem compreenderem que o Estado não pode gastar com o passado o dinheiro que tanto escasseia para construir as Grandes Obras (estádios de futebol, estradas, comboios e aeroportos para fugir do país mais depressa) e pagar aos imperadores do presente, que são os banqueiros e o seu séquito de homens de negócios. Acresce que os intelectuais têm a mania de retirar dignidade às crises actuais, através da comparação. Comparam tudo, e trazem sempre no bolso um sortido de mortos incomparáveis, prontos para amesquinhar qualquer vivo. Têm a doença da memória, a deles e a dos que antes deles escreveram e pensaram. E têm, sobretudo, a doença de mudar o futuro, a doença de dar consistência e sentido às coisas e de arrancar a Portugal o seu velhíssimo rótulo de país de fachada.
Ines Pedrosa.

1 comentário:

Anónimo disse...

O pavilhão de Portugal foi levado para Coimbra... é usado para exposições e concertos...