Um universo de mulheres do mundo

terça-feira, 21 de outubro de 2008

O meu avô.


O meu avô nasceu em 1925, numa aldeia do Algarve. Menino de familia abastada, com negocios importantes na capital e comboios inteirinhos de carga destinados ao Sr. Cabrita (pai), o meu avô era o mais novo de 7 irmaos, o benjamim, o bonitinho de olhos azuis e sorriso imenso. Para honrar negocios desonestos de socios desonestos, o pai do meu avô pagou dividas que nao eram dele e ficou sem o que tinham, exceptuando um terreno pequeno e uma casinha jeitosa, bens esses que ainda fazem parte desta minha familia. Por isso, o meu avô deixou de ser menino de familia abastada para passar a fazer parte das familias operarias/remediadas. 

Conta-me o meu avô que era um menino irrequieto, tao irrequieto que ganhou a alcunha escolar de "O Rabiadeiro", creio que numa alusao a "rabo irrequieto". Era bom aluno, interessado, mas nada de choninhas com oculos a estudar o tempo todo. Pintou e bordou a manta la na aldeia dele. 

Depois vieram tempos complicados e o meu avô foi trabalhar para dar uma ajuda ah familia. Tinha 11 anos e naquele tempo ninguem estranhava que miudos de 11 anos trabalhassem. Vendia tecidos para as senhoras da aldeia fazerem camisas para os maridos, vendia tudo o que aquelas lojas tinham para oferecer e foi ficando la, foi ficando, foi ficando. 

O meu avô adora futebol, ama o Benfica e ajudou a fundar um clube chamado Sport Algoz e Benfica, para onde ia jogar cartas, futebol, namoriscar, etc. E depois veio a guerra, a segunda. E era a partir desse pequeno clube de futebol que o meu avô e os amigos seguiam as noticias da guerra, porque aparelhos de radio so na casa do patrao dele e ali no clube. E por ali ouviu anunciar o final da guerra, tinha ele 20 anos. 

Mas o meu avo tinha pavor de ficar enterrado na aldeia dele, nao queria porque sabia que era um rapaz esperto e queria ir por Portugal fora.  Entao decidiu ir estudar, mas estudar ao mesmo tempo que trabalhava. E entao de dia trabalhava, ao final do dia apanhava a camioneta para Silves (fica a 12km), ia para as aulas e dormia em casa de um caridoso padre de Silves que para alem de abrigo, lhe deu animo, fé e comida. Havia bons padres, sera que ainda ha? De manha, o meu avô apanhava a camioneta de volta para o trabalho. 

O meu avô fez o chamado Curso Comercial de 2 anos, em menos de 1. Sem nunca deixar de trabalhar. E era tao bom aluno que começou a ter propostas de empregos jeitosas, na capital, caramba. Foi para Lisboa, para o Banco. 

Juntou-se ah Juventude Catolica, teve umas namoradas e depois conheceu a minha avo. Esqueci-me de dizer que o meu avô eh de uma fé fortissima, nao vou dizer inabalavel porque isso eh la com ele, mas Deus eh um guia na vida dele. Bom, casou com a minha avo, que eh de uma aldeia do Algarve tambem, uma Senhora com letra grande que era de uma familia enorme, ficou sem pai cedo, nao tinham dinheiro por ai alem e estudou como uma moura para poder ser professora e ganhar o seu. 

Adiantando, casaram, propostas de ir para Angola, foram para la, Salazar, Lobito, Luanda, etc. Nasce a minha mae, em 1957, a vida eh maravilhosa em Angola, o meu avô conta-me que perde 2 meses a procurar 2 centimos que nao apareciam na balança do Deve e do Haver..2 centimos. O meu avô era rigoroso. Era tao rigoroso e tao honesto e tao capaz que foi nomeado gerente do Banco de Angola, coisa de suma importancia e bom salario. Era rico o meu avô, outra vez. 

Depois veio a guerra, a descolonizaçao mal feita e tudo se desmoronou e esfumou. A minha mae ja estava em Portugal com o irmao do meu avô, a minha avo fugiu na ponte aerea Luanda-Lisboa e o meu avô teve que ser "persuadido" a fugir do Banco que era o seu. Agachado e encostado as paredes para nao levar com uma bala perdida, foi levado por soldados portugueses ate ah ponte aerea. Nao sem antes presenciar atrocidades monstras de ambas as facçoes. 

Quando se vem de um pais riquissimo como Angola, em que tudo esta ao alcance da mao, em que ha empregados para tudo, dinheiro para tudo, chegar a Lisboa so com algumas malas e uns trocos no bolso deve ser uma bofetada tremenda. A minha avo nunca se habituou a viver num res/do/chao alugado. E embora ambos tivessem encontrado emprego facilmente, a vida em Lisboa nao eh a mesma que em Luanda. 

O meu avô perdeu tudo na guerra, dinheiro, casa, roupa, muitos amigos, mas nunca perdeu o sorriso e diz que, se nao perdeu a vida e ate tem dinheiro para comer, como pode ele estar triste? Nao eh um homem rico mas ajuda-me muito. E ajuda-me porque tem 83 anos e todos os dias vai trabalhar. Todos os dias pega no carro e faz a 2 Circular ate ao Prior Velho, trabalha ate as 18 e volta para casa. E ajuda-me, com carinho, dinheiro e sabedoria. 

O meu avô tem 83 anos, os olhos azul-desbotado, a pele branquinha e sapicada de sinais. Cabelo grisalho, nada de barriga, roupa sempre impecavel (a minha avo nao o deixa sair maltrapilho!). Eh um homem lindissimo, mesmo com a pele sulcada de rugas. Eh o melhor homem do meu mundo, e eu devia ter vergonha na cara e seguir o seu exemplo. 

Meu avôzinho querido na foto, com minha filha querida.

5 comentários:

chuva boa disse...

Algoz?!?!?
A minha avó é do Algoz!!
Que estranho! Nunca ninguém sabe onde fica o Algoz! Passei tantos fins-de-semana de família nesse pueblo!
que nice, afinal acabamos por ter coisas em comum!

Dejando huella disse...

Credo.. eu continuo a ir de ferias para o Algoz. Nao me vais dizer que a tua avo se chama Cabrita?

Perola Luna disse...

so faltava vcs serem primas!
beijinhos!

chuva boa disse...

eh eh eh eh
nao, o apelido da minha avó é Gonçalves. A casota dela é mesmo perto de um largo que tem um café... mas nomes... nao me lembro!
eu nao sabia que tinhas uma costela algarvia! ainda por cima do Algoz, marafada!

Dejando huella disse...

Claro.. o cafe que fica na ponta da bifuracaçao entre as 2 principais ruas do Algoz.. Pois pergunta ah tua avo se se lembra de um Serafim Cabrita que trabalhava na loja do nao sei quantos Leite. E morava na casa pegada ao que eh a papelaria do Silva.
Que giro!