O meu pai morreu há 2 semanas. Vi-lhe o corpo entregar-se a uma doença rápida, insuportável, incapacitante, maldosa mesmo. Roubou-lhe a força, a possibilidade de engolir e também a lucidez. Pediu-me várias vezes o telefone para falar com o meu irmão, irmão este que morreu há 1 ano atrás. No seu último dia de vida já não abriu os olhos e não nos reconheceu, aos seus filhos e mulher. No dia anterior, depois de voar precipitadamente de Madrid para Lisboa, cheguei a horas de o encontrar semi-lúcido e acordado. Ficou feliz por me ver, creio que tentou acarinhar o filho que trago na barriga e que já não saberá quem é o homem enorme, de 100 quilos e 1,86 metros, génio terrível, inteligência inquestionável e sabedoria imensa.
Estou zangada com o meu pai. Primeiro porque não me contou um monte de histórias sobre ele mesmo. Segundo porque nunca fui com ele ao sítio onde nasceu, Benguela, Angola. Terceiro, quarto e quinto e último porque nunca me explicou que quando os pais morrem, nós começamos mesmo a sentir-nos sozinhos no mundo. E eu só tenho 29 anos, ainda não sei viver sem os meus pais. Saí do ninho há muito mas nunca saí da asa deles.